dezembro 23, 2005

Marcos 1.40-45

A procura por cura era mais que evidente em qualquer pessoa do tempo de Jesus que sofresse do que quer que fosse. Mas procurar a cura para a "Myco Bacterium Leprae", comum nos tempos bíblicos, diagnosticada como fatal, só pode advir da esperança sobrenatural na cura. O leproso de Marcos nem sequer podia recorrer ao tanque de Siloé, uma vez que todo o leproso vivia afastado da cidade, impedido de ali entrar por problemas de contágio. O episódio acontece numa das digressões de Jesus anunciadas por Marcos em 1.39 - "Jesus andava por toda a Galileia...". Marcos particulariza dizendo que "um leproso chegou perto de Jesus e ajoelhou-se...". Como o leproso furou o cordão de segurança não sabemos, apesar do incidente acontecer fora da cidade. Qualquer cidadão fugiria à aproximação de um leproso. Não com Jesus! Uma das particularidades do Seu ministério é a aproximação que Ele faz às pessoas e a permissão da aproximação que as pessoas lhe fazem a Ele. Esta atitude do Mestre concedeu-Lhe riqueza pessoal, uma vez que o Seu desejo era servir e nutriu os factores de aproximação do pecador ao Salvador. Jesus nunca criou obstáculos de relacionamento nem ao pecador mais desprezado, fosse ele da baixa ou da classe alta. Há muito de compaixão em Jesus Cristo! Esta é a primeira porta a abrir para que alguém seja beneficiado. Jesus era especialista em arte compassiva. O seu objectivo era que a pessoa que com Ele partilhava saísse beneficiada. Falamos muito da bênção da salvação que a presença de Jesus trouxe à Terra, mas não podemos esquecer o benefício e a influencia que ficou nas vidas daqueles que surtiram do privilégio que estar com Ele. Jesus radiava interesse pelo bem-estar total das pessoas e isso fazia com que O Mestre olhasse para o indivíduo como um todo. A maior parte das vezes desejamos que os nossos amigos estejam bem porque isso é bom para nós também. Isenta-nos de problemas, trabalhos e canseiras! Mas o carácter do discípulo de Cristo deve estar acima das boas circunstâncias até para fazer evidenciar as características divinas que já foram depositadas no coração dos salvos por Jesus Cristo.
O pormenor de Marcos na frase do leproso dirigida a Jesus é revelador da característica que ele deseja imprimir no seu escrito. A afirmação - "Eu sei que O Senhor pode curar-me, se quiser" (1.40) é rica de conteúdo. Não são meras palavras de um desesperado ou de um condenado a prazo; não são palavras tornadas religiosas só porque a miséria bateu à sua porta. Não é uma ida ao "SAP" só porque não aguenta mais as dores e precisa da opinião de um especialista. A afirmação do leproso está repleta de uma certeza que reside muito mais em Jesus do que nele mesmo. Ele sabe que só pode receber libertação do seu mal se Jesus quiser! Já não é um factor que se liberta da fé mas do querer, do desejar de Jesus. Ao contrário do que aconteceu noutros milagres, a afirmação do desejo foi de Jesus - "Sim, eu quero! Tu estás curado". E como não podia deixar de ser, O Jesus compassivo só podia querer beneficiar uma pessoa como o leproso, que tanta esperança Nele manifestou. O leproso baseou a sua cura no que sabia que O Mestre podia! Ele sabia que ainda que a fé fosse muita não seria suficiente para receber tamanha bênção. Era preciso transferir para Deus o querer para o impossível. Por outro lado, há nas palavras do leproso uma busca pela cura sim, mas também uma aceitação plena da sua condição caso Jesus não o quisesse curar. É de notar que o leproso não se baseia em promessa alguma, tal como acontece connosco hoje, e por isso, muitas vezes tratamos Deus como criado, escravo das Suas próprias promessas. O doente sabe que todo o poder para a sua libertação reside no homem que é Deus e arrisca o querer de Deus em sua vida. E sai libertado!
As traduções mais modernas do versículo 41 dizem: "Jesus ficou com muita pena dele...". Jesus não teve pena do leproso! Jesus agiu em função do que Ele mesmo é! A Sua compaixão é a beleza da Sua Obra! Ele não soube ser outra coisa que não compassivo. Era o extracto da Sua Pessoa!
Mais impressionante é a rapidez com que tudo acontece, também isso evidência das características particulares da cura. Jesus não pediu que o leproso fosse lavar-se ao tanque de Siloé ou que se banhasse 7 vezes como no caso do leproso Naamã. Diz Marcos: "No mesmo instante, a lepra desapareceu e ele ficou curado". Se quisermos ser exaustivos no estudo das curas que Jesus efectuou, percebemos que nem todas acontecem de forma igual. Esta é resultado de um desejo de Jesus Cristo! Não é uma ordem ou uma repreensão dada à doença, mas o resultado do desejo de Jesus no corpo daquele leproso, e por isso tudo acontece de forma notória. As palavras de Marcos "...e ele ficou curado" revelam mais do que a cura em si. A boa teologia associa sempre o acto de Deus à transformação do indivíduo, não apenas ao nível do sector doentio que justifica a cura, mas também ao nível do ser que é libertado. Na teologia, sempre que Deus age, fá-lo de maneira plena. Nem sempre o homem deixa toda a luz entrar e isso compromete a transformação das trevas. Não aconteceu assim com este leproso.
O cuidado que O Mestre manifestou para com o leproso é surpreendente. Jesus quer que ele seja feliz o resto da sua vida. Quer que ele volte ao seio da sua família e da sociedade, que obtenha declaração de cura perante o sacerdote. Este é também o objectivo da Obra de Deus a favor do pecador - que ele seja "bem-aventurado para sempre". Os Evangelhos fazem questão de registar alguns episódios semelhantes de cura em que a ordem de silêncio não foi respeitada. Marcos diz que Jesus "ordenou duramente". Que eu saiba, dentre aqueles que não conseguiram silenciar a alma, apesar da ordem contrária de Jesus, a nenhum o Mestre procurou para os acusar de desobediência. A libertação que o leproso sentiu não conseguiu conter a verdade acerca Daquele que o tinha beneficiado. Há momentos na vida das pessoas, em que perante a evidência do trabalho de Deus, o espírito de partilha é mais forte que qualquer outra coisa. O que aconteceu no coração do leproso foi uma simbiose de reconhecimento, gratidão, libertação e transformação. E quando estas coisas acontecem em simultâneo a alma desprende-se em adoração, em louvor, em afirmação.
A proclamação do leproso a respeito do seu Salvador e da transformação que nele havia operado, obrigou Jesus a ficar retido fora da cidade por conveniência de missão. Mas isso não impediu que toda a gente viesse procurá-lO. Quem fala do que o transformou fala do que o pode transformar! E este é um privilégio dos transformados.
Os discípulos de Cristo que partilharam da experiência da "estrada de Damasco", e deve haver uma "estrada de damasco" na vida de todos os discípulos de Cristo, sabem que para uns há mais intensidade de luz que para outros, conforme a necessidade da alma. Muitos podem recordar com ardor no peito os momentos seguintes à conversão da alma. A transformação interior, libertadora, faz soltar todos os sentidos, a exemplo do coxo de Actos 3. O judeu, culturalmente, dava abertura à sua alegria, perpetrada em festas de arromba. A Bíblia Hebraica oferece-nos registos de abundantes festas onde o exercício dos sentimentos estava bem presente.
Os cristãos evangélicos deixaram que a sua história fosse carregada de um sentimento regulador quanto aos sentimentos de libertação e transformação. Acho que bebemos demasiado de uma influência romanizante, proveniente de um catolicismo a que a maior parte de nós fomos "resgatados". Somos, muitas vezes, obrigados a regular a nossa alegria porque ela é achada desenquadrada no tempo e no espaço que ocupamos. Cantar tornou-se quase a única forma de expressar sentimentos de fé e o cântico "estamos muito alegres" o hilário do nosso hinário de sentimentos evangélicos.
Temos de compreender que a fé é muito mais que regras. Ela é para ser vivida a toda a extensão da vida. As obrigações religiosas não são as únicas que trazem prazer diante de Deus. Também as obrigações familiares, sociais, laborais, escolares, físicas. Precisamos ver os efeitos de transformação do que Jesus já efectuou em nós, retirar isso da moldura a que estamos presos, para encontrar a dimensão real da transformação que já aconteceu, certamente, mas que ainda não foi totalmente compreendida. A fé tem muito de sentimentos! A fé tem a particularidade de acusar-nos da mudança e fazer disparar o indicador dos sentimentos, manifestados perante Aquele a Quem a nossa alma está profundamente grata - ao Salvador! Já agora, deixemos essa Luz entrar! Recordo com alegria o hino antigo, cujo estribilho era: -"Deixa a Luz do Céu, deixa a Luz do Céu entrar. Abre bem a porta do teu coração. Deixa a Luz do Céu entrar."

7 Comments:

Blogger Vitor Mota said...

"Quem fala do que o transformou fala do que o pode transformar." Excelente. Assim como a ideia de que a alegria evangélica está bastante formatada. Concordo. O que se passa com a nossa (minha) fé que produz tão pouca alegria?

2 de janeiro de 2006 às 22:24  
Blogger Thiago V. Colares said...

Gostei muito do seu blog, recentemente estou com um blog que tem o mesmo objetivo, evangelizar. Se puder visitar, gostaria muito :) http://verdadeirocaminho.blogspot.com ;) Um abraço e fique com Deus!

18 de janeiro de 2006 às 00:05  
Anonymous Anónimo said...

Será que ainda vem aqui? lamento que tenha parado as suas tão importantes reflexões...talvez o escasso tempo e o muito trabalho tenha impedido...mas seria muito positivo q pudesse regressar.
Graça e paz

6 de novembro de 2006 às 13:34  
Blogger Daniel said...

A passagem em questão é das mais linda que a Bíblia fala. O aspecto que mais me toca, é o facto de Jesus ter tocado no leproso, sem ter necessidade disso. Jesus tinha dito "sim quero! Sê limpo", isso bastava, pois "Ele fala" e tudo "lhe obedece", "Ele fala" e tudo acontece. Mas Jesus toca num homem, que há muito tempo não era tocado, um homem que não tinha relacionamento com ninguém, mas Jesus relacionou-se com Ele ainda doente. Jesus é Lindo...

agradeço a todos os que quiserem uma visita a www.danielaurelio.blogspot.com

14 de novembro de 2006 às 21:42  
Blogger Toresco said...

Maria, estou vivo. Parece incrível que foi há quase um ano que escrevi o meu último comentário. As reflexões continuam. Em breve escreverei. Agradecido pelo ânimo.

17 de novembro de 2006 às 20:46  
Anonymous Anónimo said...

Foi com alguma surpresa que descobri o teu blog. Obrigado pelo teu contributo através do estudo das passagens evangélicas, que são sempre importantes e bençâo. Teo continua, vou passar a acompanhar com regularidade o teu blog.

Um abraço e que o senhor Jesus te abençoe ricamente. Ricardo

7 de janeiro de 2007 às 17:13  
Blogger Padre Vítor Magalhães said...

Gostei de ver um nlog assim. É para continuar!

30 de janeiro de 2007 às 18:29  

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